sexta-feira, 20 de julho de 2012

Luz e Magia

Disseminando a pluralidade, a interdisciplinaridade e valores transculturais, transnacionais e transreligiosos de uma cultura de paz, aconteceu de 07 a 15 de Julho de 2012 o XI Revelando São Paulo – Vale do Paraíba. Localizado no Parque da Cidade Roberto Burle Marx, o evento revela as expressões culturais do estado de São Paulo; na edição “Vale do Paraíba”, mais especificamente das cidades do vale e convidadas de outras regiões. Nesses nove dias, as diferentes culturas abrem seus corações em forma de artesanato, culinária, música, dança, folguedo, manifestação, religiosidade e/ou crença.


Caminhando pelo Revelando, passo no estande dos ciganos e converso com Celso Fernandes de 48 anos. Conhecido em seu meio como “Celso Cigano”, além de feiras e eventos, e de participar do setor de artesanato do Revelando, também trabalha como cabeleireiro em sua cidade, Santo André – SP.


Confira o bate-papo com Celso Fernandes:

LB – Conte um pouco sobre a cultura cigana, como você conheceu?

CF – Além de ter meu primeiro casamento com uma cigana de sangue, tendo um filho cigano, eu tive o privilégio de conhecer a outra parte da cultura cigana, as festas, as famílias. É uma cultura onde existem vários clãs, ela é dividida em: Matchuaia, Kalderash, Calon, e essa divisão é feita por quê? 



Segundo a história, os ciganos estavam na Índia. A Índia conheceu muitos perseguidores e dominadores mongóis, por causa de um grande perseguidor da Índia eles foram embora e saiu uma grande leva de povo daquela cidade da Índia, e vieram parar no seu primeiro ponto, que é o Egito. No grande Egito, deixaram um pouco da sua cultura e adquiriram um pouco da cultura deles, das suas cores, porque o Egito é lindo, maravilhoso. Do Egito se dividiram para o mundo, para vários lugares, então, ali surgiam as várias culturas ciganas, essas várias famílias. 


Temos o símbolo da bandeira que é o verde embaixo simbolizando a terra e o que ela nos dá, o azul é a liberdade que o cigano tem de estar, de ir e vir em todos os lugares e a roda da carroça, seus raios simbolizando as famílias que tem, e sempre indo para frente.

Celso Fernandes de 48 anos, conhecido como “Celso Cigano”


Dentro dessa cultura, vou falar, por exemplo, dos Kalderash, que eu tive o prazer de conhecer. Os Kalderash são os ciganos que mexem com cobre, no Brasil são os que enriqueceram mais ou os que têm maior preeminência em valor financeiro. Os Calon são mais religiosos e gostam de usar preto. 

Os Matchuaia são os grandes senhores das músicas, as melhores músicas ciganas vem dos Matchuaia, que são da Iugoslávia. Essa família tem um líder, uma pessoa da família, uma moça veio fazer a leitura numa festa que eu tive o privilégio de fazer, não só fazer. Como eu tive uma influência com um amigo num mercado aqui no Brasil, na época era o Pão de Açúcar, hoje é o Extra, e o gerente permitiu que houvesse uma tenda cigana e eu os trouxe, e eles ficaram. Titio como era conhecido e que era o líder da grande família, o que ele fez? Ele chegou para o Paulo e a Adriana que era o casal que estava vindo na minha festa e disse “Eu quero conhecer esse cigano que vocês estão indo ver”, ai eles ficaram preocupados, me informaram que o Titio gostaria de conhecer-me e foi combinado um Domingo. 

Como eu conheço a cultura e sei que são tradicionais, por exemplo, um homem que usa lenço é um homem compromissado ou casado, então as ciganas só de olhar já sabem que um homem que está de lenço tem compromisso com alguém, ela vai conversar, vai ficar perto, algumas conversam, mas elas já sabem. 



Eu fui com a camisa comprida, bem trajado. Cheguei um pouco atrasado porque me informaram o local errado, de cara ele já dá uma bronca, interessante que no meio de toda a família “Você não sabe o caminho? Porque você ensinou o moço errado?! Não faça mais isso!”. Ele me chamou de lado, na época eu estava vivendo o mundo vegetariano já há dois anos, mas na cultura cigana quando se encontram eles fazem um carneiro e ele estava fazendo um carneiro para mim.

Começou a conversar comigo perguntando da cultura e interessante que as mulheres ficavam de um lado e os homens dos outros, eles não ficavam juntos. Fomos até a churrasqueira, “o primeiro pedaço fica” ele disse, o segundo pedaço do carneiro ele cortou e disse “Cigano, eu fiz um carneiro para comemorar e celebrar a sua visita e você vai fazer parte da nossa família”. 

Quando ele corta o terceiro pedaço eu já pego com a mão e ele diz assim “Estou começando a gostar de você duas vezes, primeiro que o senhor chegou no horário, isso é muito importante, um homem com compromisso porque os ciganos são mal vistos, segundo que o senhor já pegou com a mão, cigano come com a mão”. Comemos o primeiro pedaço, o filho mais velho veio e cortou para todos os homens, e nós comemos, depois ele cortou o carneiro e levou para as respectivas esposas. 

Ele morava numa casa na Vila Rosária, o melhor bairro de Guarulhos numa casa de 400 a 500 metros de área construída com um terreno de 2000 metros, como eles conseguiram essa entre aspas fortuna? Eles vendiam peças de trator, ele pegava as peças e colocava no caminhãozinho dele e ia interior dentro, trocava com as peças dos tratores das pessoas e colocava as novas, trazia, recondicionava e foi vivendo negociando, comprando, vendendo, comprando, vendendo e nisso vendia outras coisas.


LB – Quando você começou a participar de eventos?

CF – Os eventos foi algo muito mágico, eu tinha um amigo que fazia chaveiros e era interessante que eu ia aos eventos, festas ciganas e pegava o chaveiro, e comecei a oferecer. Vamos voltar um pouquinho, eu fazia festas ciganas, como eram as minhas festas? 


Eu fazia uma festa onde a entrada era um preço irrisório, vamos dizer nos dias de hoje R$ 5,00, e o homem trazia um prato de doce e a mulher um prato de salgado, um litro de vinho ou um refrigerante, e é interessante que todos traziam, porque essa entrada irrisória era para pagar o local. E ali eu chamava alguns amigos que eram expositores, que vendiam imagens, roupas ciganas. Eles faziam as barracas deles e eu não cobrava nada, nunca cobrei. 

Eu fazia a festa, porque íamos a festas em que havia muita apresentação, isso atrapalhava, as pessoas não gostavam, então, eu fiz uma festa dessa forma: eu escolhia duas a três apresentações, fazíamos a entrada de Santa Sarah (Protetora do Povo Cigano) e depois a última apresentação, os outros grupos, se apresentavam no outro mês e era só isso de apresentação. E ninguém brigava, todo mundo amava, como até hoje falam “Ow Celso! Porque você não faz aquelas festas, suas festas nós dançávamos a noite toda”.

 
Num momento difícil financeiramente, os alugueis aumentaram demais e eu deixei de fazer as festas, aí eu comecei a frequentar as festas e levava chaveiros, e comecei a oferecer, oferecia para um, oferecia para outro. Era um cigano chileno que me fornecia o chaveiro, eu deixava uma parte para ele e ficava comigo, nisso eu comecei a ver o outro lado da festa que até então eu não via, que foi o lado financeiro que me dava a sustentabilidade ou parcialmente o que eu não conseguia no meu trabalho no dia-a-dia. Não comprar um carro, não é comprar uma casa, mas, por exemplo, comprar alguma coisinha, uma mistura a mais, era você poder falar “Nessa segunda feira eu não vou trabalhar, vou ficar em casa, não vai fazer falta esse dinheiro”. 

Daí eu comecei a frequentar eventos, era interessante que todo mundo fala até hoje “É cigano eu lembro que você ia”, e eu oferecia para todas as pessoas, pessoa a pessoa, como um verdadeiro mascate, oferecia o meu produto, mostrava e depois as pessoas começavam a dizer “Ah! Eu quero um chaveiro, porque eu vi pessoa tal com chaveiro”, muito interessante. 

Com o tempo, comecei a alugar o espaço, como é feito isso? A pessoa vai fazer uma festa, ela pega 20 convites, tem festas que são 10 convites, antigamente era tudo 10, hoje aumentou. Então eram 10 convites, a gente vendia e tinha o espaço, lá dentro eu comecei a colocar os produtos, não tinha dinheiro para comprar, algumas pessoas me forneciam, e o que eu conseguia comprar, eu comecei a revender. Atualmente, o valor é maior, mas hoje dou graças a Deus que quase todos os finais de semana eu participo de festas e nestas festas eu vou para levar os produtos e fornecer.

 
Sinclair, irmão do Celso Cigano


Eu fico muito feliz que o povo fica alegre, por cada coisa que compra, é uma canela, tenho um fornecedor maravilhoso, que traz uma Canela de Java para mim, uma canela da Indonésia, e as pessoas fazem o seu arroz doce, deixam atrás da porta, colocam de enfeite na sua cozinha, me abraçam, me beijam, muito contente com cada coisinha que a gente tem.


Fazemos com muito carinho, lógico que não podemos fazer tudo, que eu não tenho tempo para isso, e quem falar que faz tudo, são pouquíssimas pessoas que fazem, geralmente se compra alguma coisa, tem alguém para ajudar e estou feliz com o pouco que eu faço. 


Outra coisa muito legal que a turma gostou foi as ferraduras. A ferradura foi algo inédito. Eu consegui de uma vez só 300 ferraduras, passamo-as por um processo de areia, depois foi galvanizada e coloquei uma a uma num saquinho lindo, maravilhoso, com canela e uma fita, para a pessoa guardar a fita e amarrar na ferradura. Trabalhamos com a fita verde porque o verde significa a saúde, o vermelho simbolizando o amor e o amarelo, prosperidade. Em dois meses e meio foram todas as ferraduras, então isso me incentivou a continuar, como incentiva até hoje.



Tem evento que vou e não tenho lucro nenhum, mas a satisfação, realização de conhecer pessoas, de estar presente e rever os amigos é muito grande, como se tivéssemos vendido muito e voltado para casa com o bolso cheio. Essa é a minha vida entrando nos eventos, hoje temos uma barraca simples, mas com coisas muito profundas, temos pandeiro, temos a canela, ferradura, temos patuás. 

Patuá é um objeto mágico que as pessoas guardam, o patuá é feito de pedras, todas simbolizando algo, o amarelo simbolizando a prosperidade, a abóbora a criatividade, o vermelho o amor, o verde a saúde e o lilás a espiritualidade. A pessoa pega o que precisa, se acha que está precisando de amor, ela pega muito, se tem muito amor, ela pega um pouquinho. Ela coloca num saquinho, eu coloco uma pedra diferente, falo alguma coisa do simbolismo daquela pedra, se pega uma pedra verde eu falo “procura trabalhar a sua saúde”, se eu pego uma amarela digo “sua prosperidade está legal?”, “o vermelho é o amor, cuide do seu amor, passe amor para as outras pessoas”.




Recentemente, antes de eu vir aqui para o Revelando, um amigo me ligou e ele havia adquirido esse patuá e quanto é cobrado nesse patuá? Eu não cobro nada, eu coloco um tachinho de cobre, a sorte não se compra, você vai simplesmente aperfeiçoar ela, a pessoa pega no tachinho de cobre e joga as moedas, se quiser colocar, coloca, ela põe o que ela quiser. E essa pessoa adquiriu um patuá, uma pessoa de posse que numa brincadeira estava passando num evento em São Paulo no Anhembi, um evento grande, rodou mais ou menos 5000 pessoas, e ele comprou.





E ele me liga “Cigano, o que eu faço”. Ele estava numa festa junto a mais três amigos, estavam voltando na madrugada, 15 minutos de carro, ele pega e fala para o motorista “Vamos voltar, temos que voltar, porque eu comprei um patuá do cigano”, e o amigo dele ironicamente brincando fala assim, “Esses ciganos são tudo louco, são tudo mentiroso, não faz nada”, e ele disse, “Se vocês não voltarem, me deixem aqui, que eu vou voltar”, e ele com tanta insistência saiu do carro e voltou realmente.



Chegando ao local, ele pegou a bolsa que tinha o patuá que ele fez, por sorte estava saindo alguém, uma amiga dele estava lá e ele pegou uma carona. No caminho, ele vê a estrada parada e quando ele vai ver, o carro dos amigos bateu e todos morreram, ele me liga desesperado “Cigano, o que eu faço?!”, eu disse a ele “O patuá serviu-lhe para o que tinha que fazer, agora você faça um buraco, agradeça a Deus e enterre ele, e quando nos encontrarmos de novo, você fará outro patuá, a sorte você já tem, você não precisa do patuá para continuar com ela, simplesmente é como se fosse uma armadura”. Eu fico feliz de ver a alegria dessas pessoas, por isso que eu estou aqui hoje no Revelando.



LB – É sua primeira vez no Revelando São Paulo?

CF – O Revelando São Paulo está sendo a segunda edição, tive a oportunidade de conhecer o Revelando em Iguape numa chuva terrível, num lugar maravilhoso, nunca tinha ido para Iguape, mas foi algo assim que transformou a minha vida. O Revelando me criou a oportunidade de rever coisas antigas nas quais muitas vezes, não que nós não acreditamos, mas não vemos mais, amizades verdadeiras, vemos o pessoal da terra trabalhando, vendo aquelas senhorinhas tecendo com tanto carinho, coisa que eu só fui ver lá no Amazonas quando tive a oportunidade de estar lá. Vendo as pessoas acordando com vontade e mesmo com aquela chuva, ainda abrindo a sua barraca e acreditando, limpando, o bem, o Revelando São Paulo foi algo que mexeu comigo.

Contato Celso Cigano: luzemagia@hotmail.com

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