domingo, 22 de janeiro de 2012

Persistência e Dedicação

Com esculturas em argila, o jovem artista Guilherme de Morais foi um dos expositores no Revelando São Paulo de Atibaia 2012

Num verdadeiro caldeirão de tradições étnicas e religiosas, aconteceu do dia 05 a 08 de Janeiro o V Revelando Entre Serras e Águas de Atibaia no Parque Edmundo Zanoni. O evento abarca o que há de mais tradicional na cultura paulista, representada pelos bens imateriais: o artesanato, a culinária, entre outras tantas manifestações da cultura popular.

O artista Guilherme Barbosa de Morais tem 19 anos e mora na cidade de Piracaia – SP. Trabalha com esculturas em argila e veio representar sua cidade no estande de artesanato.

Guilherme Barbosa de Morais nasceu em Pernambuco e reside há três anos na cidade de Piracaia – SP. Trabalha com argila desde os nove anos junto ao pai e através dele, veio de Pernambuco para São Paulo em busca de ter uma condição de vida melhor. No início fazia animais em argila porque era guia turístico de sua cidade natal e atualmente produz esculturas de arte sacra. “Fui tomando gosto em trabalhar com argila porque vi que daquilo eu poderia ter uma vida independente e conseguir o dinheiro para sustentar minha própria família”, revela Guilherme de Morais.


Confira o Bate-Papo com Guilherme Barbosa de Morais:

LB – Você trabalhou como guia turístico em Pernambuco, como foi essa experiência?

GM – Com nove anos de idade, aos poucos eu ia fazendo bichinhos e mostrando os pontos turísticos que tinha na minha cidade. Minha cidade é chamada de “A terra do barro”, então 90% da população vive do artesanato. As pessoas de lá tem a opção de trabalhar na Prefeitura ou com artesanato. Como minha família vem passando de pai para filho essa relação com o artesanato, eu fui mais um na minha família que tomou o rumo de fazer esculturas. Hoje quero fazer uma faculdade para me especializar mais no que faço, para ir mais afundo e conhecer mais sobre arte sacra, para mais na frente eu poder conseguir ir dar aula com um histórico bom.

LB – Como a arte sacra se manifestou nas suas esculturas?

GM – Eu fiquei encantado pelas igrejas, as esculturas de quina de igreja e esse movimento que a gente consegue dar as peças, a pintura, por isso me encantei pelo Barroco. A escultura barroca é uma peça muito valorizada, pois é uma cultura antiga, mas na atualidade o pessoal está se esquecendo um pouco do Barroco. Meu pai também só faz nessa linha barroca.

Houve uma época que quis passar para uma peça mais contemporânea, mas vi que acabava me perdendo e não fazendo o que realmente gostava. No caso das esculturas em Barroco eu conseguia dar expressão a peça, já na moderna não, porque é uma linha mais fina, preferi continuar no Barroco porque conseguia expressar como eu estava no momento de fazer as esculturas.

LB – Como é processo de criação de uma peça?

GM – Hoje nós conseguimos através de fotos, por exemplo, uma Nossa Senhora da Conceição, a imagem tradicional tem cinco anjos e uma cobra na base dela, tem uma lua e mão está sobre o peito, o que temos de início é isso e o resto é com a gente. A nossa linha é de criação, que no caso é a identificação que a gente deixa na peça.

No caso, se hoje tem uma peça minha em Curitiba com outra pessoa, essa pessoa sabe que foi o Guilherme que fez por causa da linha característica que há em qualquer peça que a gente faz. Nós só pegamos o básico da peça, outro exemplo, o São Francisco, o protetor dos animais, uma peça simples, vemos mais ou menos a ideia de como ele era na época e colocamos alguns animais, o manto, tudo é a gente que faz, a criação da gente é essa.

LB – De onde vem a matéria-prima para o seu trabalho?

GM – Hoje trabalho com argila industrializada, mas antes eu trabalhava com o barro que cortávamos com enxadas em beiras de rio, levávamos até o nosso ateliê e tinha todo um preparo, uma curtição da argila para poder ficar no ponto de trabalhar, porque sempre vinha com sujeiras no barro, como pedras, mato. Tínhamos que amassar o barro com o pé, porque não tínhamos máquina ainda, então passava por um processo antes de poder trabalhar com ele.

Atualmente, uso argila industrializada que é um material ótimo de se trabalhar, tanto pela qualidade da argila quanto que depois daqui a gente ainda consegui ter uma tonalidade: branca, vermelha ou preta. Lá nós só tínhamos a tonalidade vermelha, pois era apenas um tipo de barro que a gente trabalhava. Como essa é industrializada, eles colocam produtos químicos na argila para que depois da queima ela consiga ter uma tonalidade.

LB – Do começo ao fim, como é o processo de produção de uma peça?

GM – O processo de fabricação da peça é feito por etapas. Meu trabalho especificamente é oco, então a gente começa pela base, espera secar um pouco para poder suportar o peso que vai em cima da base, e essa espera é constante, tem que esperar secar o corpo da peça para poder colocar braço, cabeça e depois vem o acabamento final.

O processo dura em média de 15 a 20 dias cada peça, por causa de ser por etapas não posso ficar um dia todo só numa peça porque tenho que esperar secar. Normalmente, costumo trabalhar com quatro, cinco peças de uma vez, estou fazendo uma, espero secar, vou para outra para poder ter uma produção e dar conta de todos os serviços que chegam para mim durante o mês.

LB – Como vocês aprenderam a utilizar o forno para a queima da argila?

GM – Por experiências das pessoas antigas que foram passando de pai para filho. Os meus avôs criavam seus próprios fornos, só que não era uma coisa muito certa, porque lá nós trabalhávamos com um forno que não era bem isolado. Nós queimávamos num forno a lenha e perdíamos muito combustível pelo fato de ele ser aberto em cima, para a gente poder conseguir atingir uma temperatura mínima de 900º C, nós precisávamos de no mínimo dois metros de madeira.

LB – Atualmente, como é o forno que vocês utilizam?

GM – Hoje, eu tenho um forno isolado, trabalho com tijolo comum, com a manta e com o tijolo refratário, é o mesmo processo de forno que meu avô utilizava, mas bem mais moderno e isolado para eu poder ganhar no combustível. Atualmente, para você conseguir uma madeira para queimar está complicado, pois, não podemos queimar com madeira de lei pelo fato do meio ambiente, que é uma coisa que desmata muito.

Procuramos cavacos, restos de madeireiras, o eucalipto é uma madeira que não é de lei, é uma madeira que veio de fora e que está expandindo a cada dia, algo que para o meio ambiente é muito ruim, mas a partir disso queremos ter um forno a gás ou a diesel, então vamos tentando criar uma coisa sobre isso. Com o forno que eu utilizo hoje, nós temos uma média de 24 horas de queima.

LB – Como é o processo de queima da argila?

GM – Nós começamos a queimar aos poucos, até atingir oito horas de forno para poder colocar o fogo, que a gente fala “a chama” para poder chegar a temperatura de 1260 ºC. É um processo lento também, que num deslize da gente podemos levar tudo a perder, porque se colocamos fogo demais a peça que está dentro do fogo não suporta a pressão, então pode vir a começar a estourar depois e vai todo o trabalho por água abaixo. Temos que manter a calma, a tranquilidade e ter paciência na hora de queimar, que ali você pode estar colocando tudo a perder. Depois de um trabalho bem feito, demorado, esperar secar, temos que ter todo um cuidado na queima.

LB – O que a queima proporciona a peça?

GM – Como ela foi queimada, ela fica seca como uma pedra. Se ela absorver água, com o sol ela vai evaporar, no caso de uma argila quando não é queimada se você colocar água constantemente, em certos locais ela vai começar a se deformar. Porque a argila depois de seca, se ela não passar pelo processo da queima, pegou água novamente ela começa a se desmanchar. O processo da queima é o que dá resistência ao barro para ele poder resistir, se você tiver cuidado ele vai permanecer por muito tempo.

LB – Depois da queima a peça já está pronta ou vocês executam mais algum procedimento?

GM – Normalmente o nosso trabalho é vendido natural. Eu tenho um compromisso com o meu cliente de entregar a peça natural, no caso, na cor da argila: branca, vermelha ou preta. A preta eu utilizo mais para fazer a Nossa Senhora de Aparecida que é para eu não pintar, então tento manter o natural da argila depois de queimada. Então, como eu tenho a opção de poder escolher a cor da argila depois da queima para nossa senhora eu optei pela argila preta e no manto colocar vermelho ou branco, ai vai muito da criação do artista.

LB – E se alguém quiser uma imagem pintada?

GM – Se caso alguma igreja queira alguma peça pintada, então tenho algumas indicações de pintoras que são amigas minha que fazem a pintura barroca, que tem todo um conhecimento para aplicar na minha peça, porque eu também não posso colocar qualquer tinta na minha peça, fazer qualquer pintura, porque daí iria desvalorizar o meu trabalho depois de pronto.

Eu tenho que procurar uma pessoa que seja especialista no que faz para poder valorizar mais ainda o meu trabalho juntamente com o que ela faz. O processo de pintura já é uma parte a gosto, posso dizer que 80% das pessoas para quem eu vendo preferem o natural da peça, porque ela depois de queimada ela consegue resistir a sol, chuva.

LB – E essas peças que você tem aqui foram pintadas por quem?

MG – Essas peças são minhas, mas pintadas por minha colega que se chama Ângela, ela é uma boa restauradora lá de São Paulo. Ela tem alguns quadros que coloca lá no MASP, a mãe dela vinha há muito tempo expondo na feira do MASP, então ela recebeu um convite para expor um trabalho dela dentro do Museu do MASP, ela é uma pessoa ótima de se trabalhar.

LB – Há quanto tempo você participa do Revelando São Paulo?

MG – Ano passado foi meu primeiro ano em Atibaia, depois participei em São José dos Campos e São Paulo. O Revelando São Paulo para a gente que mexe com esse tipo de escultura é uma porta a mais para mostrar nosso trabalho. O Revelando dá muito incentivo para a gente, apóiam, tem aquela questão de ir para uma feira sem ter preocupação de comprar estande, de se hospedar.

AC – Quais são as diferenças de outras feiras em comparação com o Revelando?

LB – Nas outras feiras, nós que somos artesões temos que ficar preocupados em querer vender para pagar tudo isso, para depois começar a ganhar o nosso pão realmente. Porque nós entramos numa feira já com dívidas e no Revelando já é ao contrário, você entra na feira muito tranquilo pelo suporte que eles dão para nós expormos e mostrarmos nosso trabalho.

Minha preocupação no Revelando não é vender, é mais mostrar o meu trabalho, claro não quero ser hipócrita de dizer que não quero vender. Fico muito feliz de ver quando as pessoas chegam ao estande e olham meu trabalho, e ficam muito encantados pelo fato de eu ser uma pessoa jovem e fazer o meu trabalho como eu faço. É muito difícil de se encontrar, se dedicar de 12 a 16 horas por dia para fazer o trabalho que eu faço, pela minha forma de vida essas pessoas acabam ficando encantadas. Esse reconhecimento que eu vejo é minha força de vontade para eu poder continuar nesse mercado a cada dia mais.

O Revelando São Paulo é um ambiente maravilhoso e pretendo participar durante vários anos, se for o caso completar 10 anos de Revelando São Paulo, é uma das minhas metas. A cada dia isso aqui está crescendo e Atibaia está começando a ser uma feira já reconhecida como a da capital e a de São José dos Campos, logo Atibaia vai começar a ter mais reconhecimento e a tendência é mais pessoas estarem visitando o meu estande e conhecendo o meu trabalho, essa é a oportunidade que eu tenho no Revelando São Paulo.

LB – Você realiza trabalhos com outra linguagem?

GM – Não é só a escultura mesmo, assim a única coisa que eu fujo um pouco do que faço é que às vezes eu tento fazer um utilitário diferenciado do que tem no mercado, deixo um pouco do Barroco de lado e vou tentar fazer alguma coisa moderna. Às vezes dou uma fujidinha do Barroco para fazer uma peça moderna, porque estamos vivendo no século XXI e o Barroco já está sendo um pouco esquecido por algumas pessoas, são poucas pessoas que compram a escultura de um santo.

Hoje você não vê um jovem sentar aqui e se interessar por uma peça de um santo. De vez em quando eu tento criar uma coisa nova, me dá prazer às vezes poder criar algo fora do Barroco, porque nesse estilo é muita Nossa Senhora, anjo e você não pode criar muito em cima de uma Nossa Senhora da Conceição, porque daí vai fugir da tradição dela, tento manter aquilo. Uma forma de me expressar é quando eu faço uma coisa diferente fora do Barroco, é quando eu consigo me realizar e fazer um trabalho diferente.

LB – Qual é seu maior sonho?

GM – Meu sonho um dia é ser um arquiteto porque quando eu morava em Pernambuco junto com meu pai, fiquei fascinado. O arquiteto tem aquela questão, ele faz o projeto leva para a gente fazer, nós fazemos tudo, ele só pega o nosso trabalho e leva, coloca numa casa, numa loja, ganha muito em cima da gente e não é nosso nome que fez tudo que vai na peça dele, é sempre o nome do arquiteto.

Falei para o meu pai “vou estudar para ser arquiteto porque ai eu vou poder projetar o meu trabalho, fazer e poder vender, porque daí ninguém vai poder desvalorizar o meu trabalho”. Se eu precisar, ele vai estar me apoiando, só que para eu entrar numa faculdade e tenho que estudar e juntar dinheiro. Eu não tenho condições de pagar uma faculdade e o tempo para eu estudar para entra numa faculdade pública seria muito complicado porque eu me dedico muito à escultura.

Na escultura é onde eu consigo acabar com meu estresse, esquecer os problemas da minha família, de ver a situação como vivem e nem ao menos poder fazer nada, então a escultura me realiza de outra forma. Eu decidi persistir nas esculturas que é uma forma de ser reconhecido, conseguir ganhar dinheiro e dar uma vida confortável a minha família.


Contato: Guilherme Barbosa de Morais

guilhermemorais.arte@hotmail.com / guilhermemorais.arte@gmail.com

(11) 4405-7482 (fixo) / (11) 9755-3219 (cel)

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